domingo, 4 de setembro de 2011

A Psicanálise e a Sociologia Contemporânea


       As teorias e os sistemas em psicologia mais tradicionais encontram na contemporaneidade um contexto social muito diverso daquele que lhes serviram de pano de fundo por ocasião de seu desenvolvimento. A psicanálise, por exemplo, surgiu em um contexto tradicional, onde os indivíduos possuíam identidades, modos de vida e papéis na sociedade mais ou menos fixos, o que contrasta com o que ocorre na atualidade. Entre a sociedade vienense da época de Freud e as sociedades da alta modernidade há uma separação histórica marcada por profundas transformações sociais e políticas que mudaram o mundo e que a essa altura não lembra em nada aquela sociedade fechada onde Freud desenvolveu suas idéias. Portanto, sendo a psicanálise um produto cultural de tal época, conclui-se que só pode ter grande eficácia em indivíduos contemporâneos e conterrâneos do pai da psicanálise. A ênfase dada por Freud às relações familiares e à sexualidade como determinantes de saúde ou doença mental encontra na atualidade uma série de “concorrentes” que não eram considerados anteriormente, pelo fato de não existirem ou pelo menos não afetarem substancialmente a vida das pessoas. A psicanálise, hoje, sendo levada a efeito à maneira de “doutrina”, fechada em si mesma, sofre 
uma insuficiência nos seus instrumentos interpretativos, no que se refere às novas modalidades de inscrição das subjetividades, que não eram e nem poderiam ser as mesmas de tempos idos.  Todo o “arsenal” teórico construído tempos atrás, tanto da psicanálise quanto de outros sistemas psicológicos, vão encontrar cada vez mais dificuldades para dar conta das psicopatologias modernas, caso suas idéias não acompanhem as transformações sociais que ocorreram e ocorrem na sociedade e as discussões decorrentes disso.

     A percepção de alguns sociólogos contemporâneos contribui para que sejam reexaminados alguns conceitos tradicionais utilizados pela psicologia. Temas como consumismo, felicidade e a reflexividade do eu foram analisados por esses sociólogos que lançaram novas luzes ao debate sobre a produção subjetividade frente às novas imposições da vida social e permitem novas formas de pensar as teorias e sistemas em psicologia.

     Diferentemente das sociedades tradicionais, onde a vida era conduzida por caminhos relativamente fixos, a alta modernidade se caracteriza por uma ampla gama de escolhas com as quais o sujeito se depara. Nesse contexto surge um sujeito autorreflexivo, que se pensa, que escolhe e é incitado a todo o momento a se pensar e a escolher. Na afirmação de Guiddens sobre o fato de que “não temos escolha, senão escolher”, percebe-se a potência dessas imposições, onde a escolha se encontra disponível à venda. Entre os bens de consumo mais propagandeados estão as identidades móveis e mutantes que ao serem “adquiridas” já carregam em si a programação para “sair de moda”, bem como de tudo mais que cerca essa identidade. Escolher e mudar de identidade, descartar o passado e colonizar o futuro como uma forma de consumo por antecipação, são estímulos muito fortes que pairam sobre o sujeito.  De forma contrária ao que ocorria em universos tradicionais, onde o indivíduo preocupava-se com o passado, na atualidade ocorre um desestímulo dessa preocupação. Eis aí uma motivação importante para que a psicanálise se alinhe às novas formas de pensar o sujeito em seu novo contexto, sob pena de se tornar ineficaz enquanto terapia, caso continue centrando somente no passado das pessoas as causas de suas problemáticas atuais. A propósito, a Terapia Cognitivo-comportamental encontra amplo terreno de ação quando o assunto é a desconsideração do passado e valorização do futuro.
     O consumismo é uma cultura imposta a todo o momento e se constitui em um poderoso mecanismo produtor de adoecimento, pois incita a mudança de identidade para logo em seguida desvalorizá-la e ofertar as próximas tendências a serem escolhidas e pagas. Impõem uma idéia de felicidade áqueles que a essa altura se sentem obrigados a se alinharem com a moda, as novas tecnologias e novos designs. O mercado de consumo aposta em nossa irracionalidade quando o assunto adquirir novos “bens” em busca de uma felicidade que é inatingível por conveniência desse mercado, onde, inclusive as pessoas são consideradas mercadorias, algo como manequins estáticos, outdoors ambulantes, imagens a serem consumidas...
     Bauman fala sobre um sentimento de integração social gerada pelo ato de consumir. O mercado impõe a idéia (e as pessoas aceitam) de que para se sentir “incluído” é necessário estar atualizado em matéria de consumo.  Em função disso as pessoas adoecem por que não conseguem se controlar e consomem demais ou porque não conseguem fazer frente aos gastos excessivos e consomem de menos, correndo o risco de sentirem-se excluídas por que não adequadas ás exigências da vida social.

     Certamente não se pode negar a genialidade de Freud. A questão é até que ponto seus conceitos são aplicáveis nos dias de hoje. O Complexo de Édipo, por exemplo, será que ele pode ser considerado um fenômeno universal, aplicável em qualquer sociedade; ou atemporal, podendo ser aceito em qualquer época depois da época de Freud? Até que ponto a tríade edípica pode ser considerada fator que determina estados normais ou patológicos? E com relação aos outros sistemas que vêem no sujeito somente condicionamentos, aprendizagens e programações, sem considerá-lo em sua dimensão social e histórica. Até que ponto podem ajudar de forma eficaz aqueles que buscam auxílio ao invés de simplesmente buscar “enterrar” os sintomas apresentados?
     A essas e a muitas outras questões, a sociologia contemporânea oferece material para debates que possibilitam novas leituras e outras formas de pensar o sujeito em sociedade, bem como as novas formas de produção de subjetividade impostas/exigidas na atualidade.


            

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