SOFRIMENTO
PSÍQUICO NA CONTEMPORANEIDADE
Adriano
Berwig
aberwig@terra.com.br
Centro
Universitário Metodista (IPA)
INTRODUÇÃO
A
dor é uma experiência desagradável comum a todos os homens,é um
dos motivos mais frequentes de busca pela atenção médica. Como uma
ação recíproca, a
dor envolve efeitos benéficos e nocivos. Pode ser entendida como um
processo de defesa do ser humano, um alerta, que até certo ponto
pode ser considerado benéfico, pois é um indicativo para a
existência de problemas. Como efeito mais negativo o significado é
de sofrimento, tanto físico como psíquico, aflição, padecimento e
tormento. Quando o organismo tem uma doença ou uma lesão, as
terminações especiais da dor enviam mensagens ao cérebro, para
informar sobre danos ou estímulos desagradáveis. Mas a dor que
pretendo abordar neste artigo, não é a dor física, mas sim, a dor
emocional, a dor psíquica, que por vezes resulta em alguma dor
física.
A dor de fundo emocional coloca o indivíduo num
sofrimento que o deixa num estado de precariedade psíquica que pode
ameaçar a sua identidade. Quem padece de dor psicológica parece
despojado dos prazeres e da alegria da vida, sente-se excluído,
privado, num sofrimento, muitas vezes incomunicável.
A dor psíquica é um sentimento obscuro e difícil de
definir. Pode ser definida segundo Nasio (1997), como a dor da
separação (perda de um objeto ao qual se está ligado), do abandono
(quando o ser amado retira subitamente o seu amor) e da humilhação
(quando se é profundamente ferido no amor- próprio). Ador psíquica
é vivida como um ataque aniquilador, um desmoronamento. Assim,
efetivamente, a dor caracteriza-se por uma emoção negativa que
expressa sofrimento, mal-estar e um padecimento devastador. A dor
psíquica também é variável de indivíduo para indivíduo. Há
pessoas que frente a uma dor muita intensa consegue ainda sim um
controle razoável de si mesmas, enquanto outras optam por saídas
pouco convencionais para enfrentar o que a dor provoca.
Se a histeria foi o modo de sofrimento mais evidente
no final do século 19 e início do século 20, a depressão sem
dúvida é a marca mais constante do fim do século 20 e nascimento
do século 21. Um crescente avanço de casos de depressão vem sendo
constatados nos consultórios médicos, psicológicos e nas unidades
de saúde mental. Acredito que o profissional da psicologia na
contemporaneidade se depara com um quadro bem mais complexo do que a
décadas passadas, a uma necessidade de dispor e construir recursos
para o trabalho de acolhida desses diversos contextos em crise da
contemporaneidade. As demandas em saúde mental mobilizam não só os
técnicos, mas colocam em questão as próprias práticas de
atendimento problematizando acerca dos modelos tradicionais de
atenção e ativando a implementação de uma clínica mais sensível
a diversidade sociocultural e aos modelos contemporâneos de produção
de subjetividade.
Somos afetados a todo momento, o pensar sempre no
futuro, o querer estar sempre à frente e o consumo, as
possibilidades de escolhas infinitas e variadas, trazem mal-estar na
medida em que não se pode nuca viver tudo, ter tudo. Acredito que o
sofrimento está diretamente ligado à identidade do indivíduo
contemporâneo permeada pela exigência de consumo nunca satisfeita.
Parece ser este o cenário contemporâneo que abre caminho também
para certa intolerância ao sofrimento e com isso maior consumo de
remédios pra acalmá-lo. O ideal de perfeição contemporâneo
dominado pela exigência de felicidade e alegria não abre espaço
para tristeza, a depressão o luto. Os psicofármacos viraram
dispositivos para o ser humano lidar com a dor psíquica.
DESENVOLVIMENTO
A definição de
sofrimento segundo dicionário Aulete Digital é de ação ou
resultado de sofrer, dor física ou moral continuada; aflição;
amargura; desgosto; penar. Ao referir sua etimologia e semântica,
temos, no grego pherein
e no latim ferre,
carregar,
suffere,
carregar
por debaixo, que também significa oferecer, suportar, permitir,
tolerar. No século XV, o sofrimento em francês queria dizer dor e
carregava ideia de resignação e de tolerância possível ou não.
Desde o século XVI, sofrer remete a experimentar uma dor (Barus
Michel, 2001). No século XVIII, o sofrimento para os poetas e
artista do movimento romântico era algo inspirador. Para o homem da
modernidade, o sofrimento é algo que precisa ser evitado a todo
custo. Acreditamos que a palavra sofrimento assume diversos
significados e sentidos que são demarcados por questões subjetivas
e culturais. Enfim, podemos dizer que o sofrimento fala de um modo de
ser do homem de cada época na história. Barus Michel entende que o
sofrimento ocorre no dado momento em que:
Existe
sofrimento quando a capacidade de controle e de elaboração das
sensações e
das
representações fica ultrapassado, quando as capacidades
intelectuais se esgotam,
a
repercussão emocional atravanca o psiquismo, abafando a atividade
intelectual, a
capacidade
imaginativa, aquela de formar novas representações.
(BARUS
MICHEL, 2001, p. 02).
Me parece então, que a capacidade de criar
representações está de alguma forma relacionada à maneira como o
sofrimento é significado pelo sujeito diante da realidade em que se
encontra. Essas diversas formas de representações e afetações
diante do sofrimento é que são expressadas pelos indivíduos. São
formas de expressar sofrimento vivido na atualidade.
O que vemos nos dias de hoje, é uma nova forma de
adoecimento, novas fugas, novos sintomas e também velhos sintomas
repaginados, decorrentes da vida moderna. Parece, que todos buscam de
uma forma ou de outra, um sentido para as suas vidas, algo que motive
elas a continuar lutando, trabalhando, constituindo famílias ou não,
mas tendo motivações para viver. Mas o que muito se tem falado na
época atual, é de um vazio existencial, da falta de sentido para a
vida, sentimentos de tristeza, angústia, depressão, vontade de não
mais viver, e a lista é grande. Muitos parecendo estar aprisionadas
pelo medo, aprisionadas pelos valores socialmente impostos, perdidos
num mundo em que muitas vezes não reconhecem, em um mundo que muitas
vezes não o reconhece como sujeito.
Inegavelmente, o processo de globalização tem
contribuído para o modo como somos afetados nos dias de hoje, os
aparatos tecnológicos incríveis que possibilitam o acesso às mais
diversas áreas do conhecimento, tornam o dia a dia mais ágil,
prático, um mundo inteiro pode ser acessado por clique, temos hoje a
facilidade de um mundo virtual ao alcance das mãos.
Existe uma enorme facilidade de realizar contatos
entre pessoas que se encontram em outras cidades, em outros países,
em outros continentes. E em meio a tantas facilidades decorrentes da
evolução tecnológica que aproxima o mundo, o homem moderno parece
ter deixado de encontrar-se com ele mesmo, de encontrar-se com os
outros. Os efeitos desse novo modo de vida estão escancarado na
contemporaneidade.
Safra (2006) chama a atenção para o que ele denomina de uma
experiência
de solidão insuportável presente
nas pessoas em seu consultório. Ele aponta essa experiência como
sendo uma questão importante no mundo atual, no qual as pessoas não
encontram um lugar, “as pessoas se sentem não pertencendo a uma
comunidade. O que as leva a se sentirem para fora do mundo humano”
(p.26).
Neste mesmo sentido, Cruz (2003) ressalta, quando
afirma que “a vida necessita antes de tudo reconhecimento. Não
basta um corpo existir e poder circular: é preciso inserir-se nos
diferentes níveis de troca. No mercado de trocas, na relação”
(p.52).
Vivemos sem dúvida mundo competitivo, as pessoas
estão vivendo em uma constante disputa por um lugar de destaque, um
insano projeto de felicidade, que inclui muitas vezes um carro
importado, um corpo construído na clínica de estética, compras nas
lojas mais conhecidas dos shoppings. É preciso ser VIP, é preciso
ser notado, é preciso ser celebridade. Ao surgir um traço de
tristeza ou desencantamento pela vida, faça compras e tudo melhora.
Somos bombardeados todos os dias por essa ilusão de felicidade,
estamos sendo afetados a todo o momento.
E o que dizer de uma parte da população, que também
por ser afetada também deseja, mas que na verdade não tem a mínima
condição para conquistar este projeto insano de felicidade, por
simplesmente não ter o alimento na mesa. Tentam das mais possíveis
formas, entrar nesta fatia globalizada, neste mundo ilusório de
felicidade.
Para Peixoto Júnior (2003), estamos diante de um
sintoma social. Ele afirma que esse sintoma “torna os sujeitos
meros consumidores de produtos que lhes prometem o gozo de uma
existência supostamente plena, e paradoxalmente, os tornam cada vez
mais insatisfeitos” (p.160).
Vivenciamos na contemporaneidade, conforme ressalta
Berman (1987), a típica sociedade do consumo, na qual os valores
morais se transformaram em valores de mercado. O poder da escolha
favorecido pela cultura do consumo ganha poder na vida interior da
vida dos indivíduos, além do viés econômico intrínseco ao ato de
consumir, há ainda um viés existencial. Qualquer conduta pode
tornar-se socialmente aceitável se for economicamente viável, como
se a dignidade e a honra humanas ganhassem etiquetas de preço, assim
como as mercadorias.
Assim é que a sociedade de consumo priva pela
diversidade de opções, favorecendo desejos que jamais poderão ser
totalmente satisfeitos. Consome-se tudo, produto, relações,
empregos, serviços. Porém, como o leque de escolhas é vasto e há
sempre mais opções a serem escolhidas, os indivíduos acreditam que
podem sempre conseguir “algo melhor” por este motivo não
constituem hábitos constantes e nem se satisfazem com o que
consumiram. O que não tem serventia é descartado, em prol da
sedução que levará ao consumo de um novo “bem”, melhor e mais
adequado do que de outrora (Bauman, 1998).
De acordo com Lash (1990) a sociedade de consumo
estimula o narcisismo, pois os indivíduos tornam-se frágeis e
dependentes, embora livres, o que os faz ver o mundo como um espelho
,projetando nele seus medos, anseios e desejos. Sentindo-se
desprotegido pela sobrecarga de informações da sociedade
contemporânea, com excessos de estímulos e imagens, de propagandas
e do apelo ao consumo, o indivíduo refugia-se em si mesmo, contando
com o narcisismo para poder sobreviver. “confrontadas a meio
ambiente aparentemente implacável e ingovernável, as pessoas
voltam-se para autogestão”(p.48).
Ainda assim, a cultura hedonista emerge como um novo
narcisismo da atualidade: é preciso ter prazer sem precisar esperar
por ele. Como não se constrói nada a longo prazo, pois o futuro é
incerto e repleto de desencantamento e desconfiança, é preciso
aproveitar as oportunidades sempre que estas aparecerem, deleitar-se
com o prazer e não se importar com a enfermidade das sensações que
o acompanham (Lipovestky & Charles, 2004).
Malhar horas na academia e seguir dietas à risca a
fim de retirar todo excesso de gordura tão indesejável são
mecanismos para tornar o corpo ágil e preparado para os desafios da
pós-modernidade, exibi-lo é gratificante e significa sucesso
individual. Porém, o fracasso na busca da perfeição do próprio
corpo é considerado atestado de vergonha, culpa e incapacidade,
sentimentos que abalam o íntimo do ser humano, contribuindo para o
sofrimento psíquico.
Dessa mesma forma, é que os distúrbios alimentares
ganham tanto espaço em nosso tempo: obesidade, anorexia e bulimia
são alguns dos exemplos desta realidade.
A pós-modernidade zela a todo momento a
impossibilidade dos indivíduos permanecerem parados, buscando sempre
e sempre a satisfação que nunca chega, uma vez que a realização
adiante e não no momento presente. Assim a vida pós-moderna é um
amontoado de momentos, que por trazerem consigo a impossibilidade de
satisfação total ao indivíduo, torna a vida efêmera e fugaz.
Diz-se então que a velocidade exacerbada com que a
contemporaneidade articula mudanças e transformações na vida
social chegou ao seu próprio limite, dando lugar à instantaneidade
que se produz tanto na realização imediata quanto no
desaparecimento do interesse. “Era da instabilidade significa a
gratificação evitando as consequências” (Bauman, 2000, p.148).
A pós-modernidade trouxe um sentimento intrínseco ao
contexto atual, que se refere a incerteza presente na vida dos
indivíduos. “Nenhum emprego é garantido, nenhuma posição é
inteiramente segura, nenhuma perícia é de utilidade duradoura, a
experiência e a prática se convertem em responsabilidade logo que
se tornam haveres, carreiras sedutoras muito frequentemente se
revelam vias suicidas” (Bauman, 2000, p.34).
Esta incerteza leva os indivíduos a contarem
unicamente consigo mesmos para “vencer na vida” e conquistar as
metas de uma vida idealizada potencialmente mutável e nunca
satisfeita. Por esse motivo é que se vê em na contemporaneidade
indivíduos cada vez mais solitários, buscando incansavelmente um
sentido de ser no próprio isolamento.
O que se na atualidade é um grande paradoxo quando se
trata das relações humanas. Os indivíduos estão ávidos por
relacionar-se, vorazmente desejando encontrar no outro qualquer sinal
que valha a pena estabelecer laços afetivos e que estes trarão
satisfação à carência e à necessidade de contato. Mas, ao mesmo
tempo, o medo e a insegurança próprios dos nossos tempos e nos
fazem recuar e permanecer no isolamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É
necessário prestar atenção, todo contexto de evolução das
tecnologias, vividos por nós no mundo moderno, também tem gerado
novas demandas. Contraditoriamente a toda essa evolução, estamos
diante de graves e antigos problemas sociais, cada vez mais gerados e
mantidos pelas condições sub-humanas de sobrevivência, pelo
sofrimento causado pela violência, pela miséria, pelo descaso, pela
voracidade em que nossa sociedade quer consumir. Não suportando com
o desconforto existente nessa condição de desamparo, nos deparamos
com um aumento cada vez maior de tentativas de resolução dos
paradoxos que nos rodeiam, o que aponta para uma dificuldade bem
típica do mundo que nos constitui, que é a dificuldade de se
reconhecer como um ser lançado no mundo, vulnerável, exposto à
fragilidade, ao sofrimento, à frustração, à velhice, a morte, a
finitude assusta o homem. E é tentando lutar com esses paradoxos e
controlar o incontrolável que o homem contemporâneo cada vez mais
restringe o sentido do seu existir aos comportamentos fóbicos e
ansiosos por exemplo. Portanto, as demandas apresentadas nos serviços
de psicologia representam talvez um pedido de ajuda da sociedade, o
que de alguma forma, acredito que deva ser repensado, o mundo
contemporâneo nos traz novas demandas e solicitações. Os desafios
da clínica contemporânea são inúmeros e as demandas em saúde
mental ilustram mal-estar e sofrimento mental, relacionados no
contexto sociopolítico e econômico.
Diante destes fatos, verifica-se que o profissional de psicologia tem
se deparado com a necessidade de dispor e construir recursos para o
trabalho de acolhida desses diversos contextos em crise na
contemporaneidade. As demandas em saúde mental, mobilizam não só
os técnicos, mas colocam em questão as próprias práticas de
atendimento problematizando acerca dos modelos tradicionais de
atenção e ativando a implementação de uma clínica sensível à
diversidade sociocultural e aos modos contemporâneos de produção
de subjetividade.
REFERÊNCIAS
Bauman, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
BAUMAN, Z. Em busca da política. Tradução de M.
Penchel. Rio de Janeiro: J. Zahar. 2000.
Barus-Michel, J. (2001). Intervir enfrentando os
paradoxos da organização e os recuos do ideal. In J. N. G. de
Araújo & T.C. Carreteiro (orgs), Cenários sociais e abordagem
clínica (p.174). São Paulo: Escuta.
Berman, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar.
São Paulo: Companhia das letras.
Lash, J.D. O mínimo eu. Sobrevivência psíquica em
tempos difíceis. J.R. M. Filho. 5ª edição, São Paulo: Editora
Brasiliense.
LIPOVETSKY, Gilles: CHARLES, Sébastien Os Tempos
Hipermodernos. São Paulo: Barcarolla, 2004.
NASIO, J.D O livro da dor e do amor. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1997.
Safra, G (2004). A po-ética
na clínica contemporânea. São Paulo: Ideias e Letras.
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