domingo, 8 de setembro de 2013

SOFRIMENTO PSÍQUICO NA CONTEMPORANEIDADE





Adriano Berwig
aberwig@terra.com.br
Centro Universitário Metodista (IPA)



INTRODUÇÃO





A dor é uma experiência desagradável comum a todos os homens,é um dos motivos mais frequentes de busca pela atenção médica. Como uma ação recíproca, a dor envolve efeitos benéficos e nocivos. Pode ser entendida como um processo de defesa do ser humano, um alerta, que até certo ponto pode ser considerado benéfico, pois é um indicativo para a existência de problemas. Como efeito mais negativo o significado é de sofrimento, tanto físico como psíquico, aflição, padecimento e tormento. Quando o organismo tem uma doença ou uma lesão, as terminações especiais da dor enviam mensagens ao cérebro, para informar sobre danos ou estímulos desagradáveis. Mas a dor que pretendo abordar neste artigo, não é a dor física, mas sim, a dor emocional, a dor psíquica, que por vezes resulta em alguma dor física.
A dor de fundo emocional coloca o indivíduo num sofrimento que o deixa num estado de precariedade psíquica que pode ameaçar a sua identidade. Quem padece de dor psicológica parece despojado dos prazeres e da alegria da vida, sente-se excluído, privado, num sofrimento, muitas vezes incomunicável.
A dor psíquica é um sentimento obscuro e difícil de definir. Pode ser definida segundo Nasio (1997), como a dor da separação (perda de um objeto ao qual se está ligado), do abandono (quando o ser amado retira subitamente o seu amor) e da humilhação (quando se é profundamente ferido no amor- próprio). Ador psíquica é vivida como um ataque aniquilador, um desmoronamento. Assim, efetivamente, a dor caracteriza-se por uma emoção negativa que expressa sofrimento, mal-estar e um padecimento devastador. A dor psíquica também é variável de indivíduo para indivíduo. Há pessoas que frente a uma dor muita intensa consegue ainda sim um controle razoável de si mesmas, enquanto outras optam por saídas pouco convencionais para enfrentar o que a dor provoca.
Se a histeria foi o modo de sofrimento mais evidente no final do século 19 e início do século 20, a depressão sem dúvida é a marca mais constante do fim do século 20 e nascimento do século 21. Um crescente avanço de casos de depressão vem sendo constatados nos consultórios médicos, psicológicos e nas unidades de saúde mental. Acredito que o profissional da psicologia na contemporaneidade se depara com um quadro bem mais complexo do que a décadas passadas, a uma necessidade de dispor e construir recursos para o trabalho de acolhida desses diversos contextos em crise da contemporaneidade. As demandas em saúde mental mobilizam não só os técnicos, mas colocam em questão as próprias práticas de atendimento problematizando acerca dos modelos tradicionais de atenção e ativando a implementação de uma clínica mais sensível a diversidade sociocultural e aos modelos contemporâneos de produção de subjetividade.
Somos afetados a todo momento, o pensar sempre no futuro, o querer estar sempre à frente e o consumo, as possibilidades de escolhas infinitas e variadas, trazem mal-estar na medida em que não se pode nuca viver tudo, ter tudo. Acredito que o sofrimento está diretamente ligado à identidade do indivíduo contemporâneo permeada pela exigência de consumo nunca satisfeita. Parece ser este o cenário contemporâneo que abre caminho também para certa intolerância ao sofrimento e com isso maior consumo de remédios pra acalmá-lo. O ideal de perfeição contemporâneo dominado pela exigência de felicidade e alegria não abre espaço para tristeza, a depressão o luto. Os psicofármacos viraram dispositivos para o ser humano lidar com a dor psíquica.

DESENVOLVIMENTO

A definição de sofrimento segundo dicionário Aulete Digital é de ação ou resultado de sofrer, dor física ou moral continuada; aflição; amargura; desgosto; penar. Ao referir sua etimologia e semântica, temos, no grego pherein e no latim ferre, carregar, suffere, carregar por debaixo, que também significa oferecer, suportar, permitir, tolerar. No século XV, o sofrimento em francês queria dizer dor e carregava ideia de resignação e de tolerância possível ou não. Desde o século XVI, sofrer remete a experimentar uma dor (Barus Michel, 2001). No século XVIII, o sofrimento para os poetas e artista do movimento romântico era algo inspirador. Para o homem da modernidade, o sofrimento é algo que precisa ser evitado a todo custo. Acreditamos que a palavra sofrimento assume diversos significados e sentidos que são demarcados por questões subjetivas e culturais. Enfim, podemos dizer que o sofrimento fala de um modo de ser do homem de cada época na história. Barus Michel entende que o sofrimento ocorre no dado momento em que:


Existe sofrimento quando a capacidade de controle e de elaboração das sensações e
das representações fica ultrapassado, quando as capacidades intelectuais se esgotam,
a repercussão emocional atravanca o psiquismo, abafando a atividade intelectual, a
capacidade imaginativa, aquela de formar novas representações.
(BARUS MICHEL, 2001, p. 02).

Me parece então, que a capacidade de criar representações está de alguma forma relacionada à maneira como o sofrimento é significado pelo sujeito diante da realidade em que se encontra. Essas diversas formas de representações e afetações diante do sofrimento é que são expressadas pelos indivíduos. São formas de expressar sofrimento vivido na atualidade.
O que vemos nos dias de hoje, é uma nova forma de adoecimento, novas fugas, novos sintomas e também velhos sintomas repaginados, decorrentes da vida moderna. Parece, que todos buscam de uma forma ou de outra, um sentido para as suas vidas, algo que motive elas a continuar lutando, trabalhando, constituindo famílias ou não, mas tendo motivações para viver. Mas o que muito se tem falado na época atual, é de um vazio existencial, da falta de sentido para a vida, sentimentos de tristeza, angústia, depressão, vontade de não mais viver, e a lista é grande. Muitos parecendo estar aprisionadas pelo medo, aprisionadas pelos valores socialmente impostos, perdidos num mundo em que muitas vezes não reconhecem, em um mundo que muitas vezes não o reconhece como sujeito.
Inegavelmente, o processo de globalização tem contribuído para o modo como somos afetados nos dias de hoje, os aparatos tecnológicos incríveis que possibilitam o acesso às mais diversas áreas do conhecimento, tornam o dia a dia mais ágil, prático, um mundo inteiro pode ser acessado por clique, temos hoje a facilidade de um mundo virtual ao alcance das mãos.
Existe uma enorme facilidade de realizar contatos entre pessoas que se encontram em outras cidades, em outros países, em outros continentes. E em meio a tantas facilidades decorrentes da evolução tecnológica que aproxima o mundo, o homem moderno parece ter deixado de encontrar-se com ele mesmo, de encontrar-se com os outros. Os efeitos desse novo modo de vida estão escancarado na contemporaneidade.
Safra (2006) chama a atenção para o que ele denomina de uma experiência de solidão insuportável presente nas pessoas em seu consultório. Ele aponta essa experiência como sendo uma questão importante no mundo atual, no qual as pessoas não encontram um lugar, “as pessoas se sentem não pertencendo a uma comunidade. O que as leva a se sentirem para fora do mundo humano” (p.26).
Neste mesmo sentido, Cruz (2003) ressalta, quando afirma que “a vida necessita antes de tudo reconhecimento. Não basta um corpo existir e poder circular: é preciso inserir-se nos diferentes níveis de troca. No mercado de trocas, na relação” (p.52).
Vivemos sem dúvida mundo competitivo, as pessoas estão vivendo em uma constante disputa por um lugar de destaque, um insano projeto de felicidade, que inclui muitas vezes um carro importado, um corpo construído na clínica de estética, compras nas lojas mais conhecidas dos shoppings. É preciso ser VIP, é preciso ser notado, é preciso ser celebridade. Ao surgir um traço de tristeza ou desencantamento pela vida, faça compras e tudo melhora. Somos bombardeados todos os dias por essa ilusão de felicidade, estamos sendo afetados a todo o momento.
E o que dizer de uma parte da população, que também por ser afetada também deseja, mas que na verdade não tem a mínima condição para conquistar este projeto insano de felicidade, por simplesmente não ter o alimento na mesa. Tentam das mais possíveis formas, entrar nesta fatia globalizada, neste mundo ilusório de felicidade.
Para Peixoto Júnior (2003), estamos diante de um sintoma social. Ele afirma que esse sintoma “torna os sujeitos meros consumidores de produtos que lhes prometem o gozo de uma existência supostamente plena, e paradoxalmente, os tornam cada vez mais insatisfeitos” (p.160).
Vivenciamos na contemporaneidade, conforme ressalta Berman (1987), a típica sociedade do consumo, na qual os valores morais se transformaram em valores de mercado. O poder da escolha favorecido pela cultura do consumo ganha poder na vida interior da vida dos indivíduos, além do viés econômico intrínseco ao ato de consumir, há ainda um viés existencial. Qualquer conduta pode tornar-se socialmente aceitável se for economicamente viável, como se a dignidade e a honra humanas ganhassem etiquetas de preço, assim como as mercadorias.
Assim é que a sociedade de consumo priva pela diversidade de opções, favorecendo desejos que jamais poderão ser totalmente satisfeitos. Consome-se tudo, produto, relações, empregos, serviços. Porém, como o leque de escolhas é vasto e há sempre mais opções a serem escolhidas, os indivíduos acreditam que podem sempre conseguir “algo melhor” por este motivo não constituem hábitos constantes e nem se satisfazem com o que consumiram. O que não tem serventia é descartado, em prol da sedução que levará ao consumo de um novo “bem”, melhor e mais adequado do que de outrora (Bauman, 1998).
De acordo com Lash (1990) a sociedade de consumo estimula o narcisismo, pois os indivíduos tornam-se frágeis e dependentes, embora livres, o que os faz ver o mundo como um espelho ,projetando nele seus medos, anseios e desejos. Sentindo-se desprotegido pela sobrecarga de informações da sociedade contemporânea, com excessos de estímulos e imagens, de propagandas e do apelo ao consumo, o indivíduo refugia-se em si mesmo, contando com o narcisismo para poder sobreviver. “confrontadas a meio ambiente aparentemente implacável e ingovernável, as pessoas voltam-se para autogestão”(p.48).
Ainda assim, a cultura hedonista emerge como um novo narcisismo da atualidade: é preciso ter prazer sem precisar esperar por ele. Como não se constrói nada a longo prazo, pois o futuro é incerto e repleto de desencantamento e desconfiança, é preciso aproveitar as oportunidades sempre que estas aparecerem, deleitar-se com o prazer e não se importar com a enfermidade das sensações que o acompanham (Lipovestky & Charles, 2004).
Malhar horas na academia e seguir dietas à risca a fim de retirar todo excesso de gordura tão indesejável são mecanismos para tornar o corpo ágil e preparado para os desafios da pós-modernidade, exibi-lo é gratificante e significa sucesso individual. Porém, o fracasso na busca da perfeição do próprio corpo é considerado atestado de vergonha, culpa e incapacidade, sentimentos que abalam o íntimo do ser humano, contribuindo para o sofrimento psíquico.
Dessa mesma forma, é que os distúrbios alimentares ganham tanto espaço em nosso tempo: obesidade, anorexia e bulimia são alguns dos exemplos desta realidade.
A pós-modernidade zela a todo momento a impossibilidade dos indivíduos permanecerem parados, buscando sempre e sempre a satisfação que nunca chega, uma vez que a realização adiante e não no momento presente. Assim a vida pós-moderna é um amontoado de momentos, que por trazerem consigo a impossibilidade de satisfação total ao indivíduo, torna a vida efêmera e fugaz.
Diz-se então que a velocidade exacerbada com que a contemporaneidade articula mudanças e transformações na vida social chegou ao seu próprio limite, dando lugar à instantaneidade que se produz tanto na realização imediata quanto no desaparecimento do interesse. “Era da instabilidade significa a gratificação evitando as consequências” (Bauman, 2000, p.148).
A pós-modernidade trouxe um sentimento intrínseco ao contexto atual, que se refere a incerteza presente na vida dos indivíduos. “Nenhum emprego é garantido, nenhuma posição é inteiramente segura, nenhuma perícia é de utilidade duradoura, a experiência e a prática se convertem em responsabilidade logo que se tornam haveres, carreiras sedutoras muito frequentemente se revelam vias suicidas” (Bauman, 2000, p.34).
Esta incerteza leva os indivíduos a contarem unicamente consigo mesmos para “vencer na vida” e conquistar as metas de uma vida idealizada potencialmente mutável e nunca satisfeita. Por esse motivo é que se vê em na contemporaneidade indivíduos cada vez mais solitários, buscando incansavelmente um sentido de ser no próprio isolamento.
O que se na atualidade é um grande paradoxo quando se trata das relações humanas. Os indivíduos estão ávidos por relacionar-se, vorazmente desejando encontrar no outro qualquer sinal que valha a pena estabelecer laços afetivos e que estes trarão satisfação à carência e à necessidade de contato. Mas, ao mesmo tempo, o medo e a insegurança próprios dos nossos tempos e nos fazem recuar e permanecer no isolamento.









CONSIDERAÇÕES FINAIS

É necessário prestar atenção, todo contexto de evolução das tecnologias, vividos por nós no mundo moderno, também tem gerado novas demandas. Contraditoriamente a toda essa evolução, estamos diante de graves e antigos problemas sociais, cada vez mais gerados e mantidos pelas condições sub-humanas de sobrevivência, pelo sofrimento causado pela violência, pela miséria, pelo descaso, pela voracidade em que nossa sociedade quer consumir. Não suportando com o desconforto existente nessa condição de desamparo, nos deparamos com um aumento cada vez maior de tentativas de resolução dos paradoxos que nos rodeiam, o que aponta para uma dificuldade bem típica do mundo que nos constitui, que é a dificuldade de se reconhecer como um ser lançado no mundo, vulnerável, exposto à fragilidade, ao sofrimento, à frustração, à velhice, a morte, a finitude assusta o homem. E é tentando lutar com esses paradoxos e controlar o incontrolável que o homem contemporâneo cada vez mais restringe o sentido do seu existir aos comportamentos fóbicos e ansiosos por exemplo. Portanto, as demandas apresentadas nos serviços de psicologia representam talvez um pedido de ajuda da sociedade, o que de alguma forma, acredito que deva ser repensado, o mundo contemporâneo nos traz novas demandas e solicitações. Os desafios da clínica contemporânea são inúmeros e as demandas em saúde mental ilustram mal-estar e sofrimento mental, relacionados no contexto sociopolítico e econômico.
Diante destes fatos, verifica-se que o profissional de psicologia tem se deparado com a necessidade de dispor e construir recursos para o trabalho de acolhida desses diversos contextos em crise na contemporaneidade. As demandas em saúde mental, mobilizam não só os técnicos, mas colocam em questão as próprias práticas de atendimento problematizando acerca dos modelos tradicionais de atenção e ativando a implementação de uma clínica sensível à diversidade sociocultural e aos modos contemporâneos de produção de subjetividade.























REFERÊNCIAS


Bauman, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
BAUMAN, Z. Em busca da política. Tradução de M. Penchel. Rio de Janeiro: J. Zahar. 2000.
Barus-Michel, J. (2001). Intervir enfrentando os paradoxos da organização e os recuos do ideal. In J. N. G. de Araújo & T.C. Carreteiro (orgs), Cenários sociais e abordagem clínica (p.174). São Paulo: Escuta.

Berman, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia das letras.

Lash, J.D. O mínimo eu. Sobrevivência psíquica em tempos difíceis. J.R. M. Filho. 5ª edição, São Paulo: Editora Brasiliense.

LIPOVETSKY, Gilles: CHARLES, Sébastien Os Tempos Hipermodernos. São Paulo: Barcarolla, 2004.

NASIO, J.D O livro da dor e do amor. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

Safra, G (2004). A po-ética na clínica contemporânea. São Paulo: Ideias e Letras.





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